Quando começamos a viver?


 
    Alguns dias atrás, no ônibus a caminho de casa, estava eu (mais uma vez) questionando minhas escolhas: afinal, estou no caminho que leve à realização pessoal que tanto almejo?
   Para mim, apesar de qualquer dúvida ou incerteza que pudesse surgir, o período pós-ensino médio seria de tranquilidade por estar mais próxima de atingir meus objetivos. É com certo pesar que escrevo que não experienciei essa sensação nem um dia sequer de lá pra cá. A verdade é que comecei o meu primeiro ano de graduação já pensando no passo seguinte, e desde então é como estou: sem aproveitar o que me acontece no presente, direcionando energia e esforços em para onde ir a seguir. Talvez seja imaturidade minha, falta de experiência para lidar com as pressões do mundo; uma causa palpável: com 21 eu não esperaria saber gerenciar tudo que me acontece. Seja essa a razão, ou outras quaisquer, o fato é que me vejo em estado de espera. Há muito coleciono expectativas quanto a cada fase da minha vida, alimentando-as na crença inocente de que são apenas um vislumbre do que cada uma trará consigo. Tê-las tão vívidas trouxe certa paralisia pela compreensão do amontoado de possibilidades que não verão a luz dos meus dias. Já dizia Dalí: so little of what could happen does happen (em tradução livre: tão pouco do que poderia acontecer acontece). Queria eu ter prestado mais atenção a essas palavrinhas para evitar tamanha confusão. 
   Percebi, sentada naquele ônibus lotado de fim de tarde, que estou constantemente em busca do momento em que minha vida deixe de ser um planejamento do que ainda não aconteceu, para ser o momento presente ao qual não dedico minha atenção. Priorizar o amanhã tem se mostrado incompatível com experienciar a graça e a beleza dos momentos que estão bem debaixo do meu nariz. Tenho escolhido uma vida que nem chegou em detrimento da que tenho em mãos, pela necessidade de garantir um futuro que desconheço sem, entretanto, fortalecer minhas raízes no hoje. Quero mais do que é possível obter pela vivência de uma dia por vez e isso me deixa angustiada.
   Ter tal questionamento como cerne da aflição que sinto trouxe um alerta quanto aos erros cometidos na condução das minhas expectativas e ambições. De que me vale ter o futuro em curso, quando meu presente se perde em dias de dúvidas? De que me vale a promessa de um tempo ao qual ainda não tenho acesso, quando deixo ir aquele que me rodeia? Tais indagações só ressaltam a certeza de que não é possível retroceder, de que só posso moldar o tempo que tenho à frente e que é preciso fazê-lo valer.
   Com essa constatação, que em primeiro momento pode parecer óbvia se a consciência dessa verdade já integra os teus dias, vejo que a solução pode ser mais simples do que eu imaginava. Frequentemente identificar o problema, assumi-lo, é a parte mais difícil. Uma vez que reconhecemos o monstro contra o qual tão intensamente duelamos, vencê-lo é apenas mais um degrau da escada a subir. Eu, que sou excessivamente questionadora e sempre penso demais, preciso desacelerar. Um tanto a menos de afobação por desvendar o que não sei e pressa para conhecer os desdobramentos dos meus esforços, somados a porções extras de desapego da necessidade por controlar cada etapa, são a saída para ter a tranquilidade que me foge. Para que sejamos mais leves é imprescindível o entendimento de que dúvidas compõe o curso de amadurecimento e que não ter todas as respostas só atesta a nossa humanidade.
   Como tudo na vida, isso é um processo. Somos seres de hábitos e mudar sempre traz turbulências. É preciso disposição e entrega para abrir mão do que nos vestiu em prol do que melhor nos serve, mas o que seríamos sem o aprimoramento contínuo de nós mesmos? Ainda há muito a fazer para incorporar essa conclusão aos meus dias, mas ter tê-la frente à insatisfação crescente que me fazia refém vale cada segundo da tarefa de atualizar essas estruturas consolidadas.

(imagem: Pinterest)
leiasejella

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